terça-feira, janeiro 16, 2018

INTRODUÇÃO À MORFOLOGIA: ESTRUTURA DAS PALAVRAS



MORFOLOGIA (morphology) – É a disciplina que se ocupa do sistema morfológico da língua, do aspecto formal das palavras. Morfologia vem do grego: morphe + log + ia = tratado, estudo das formas.
As palavras têm tipicamente uma estrutura interna e, em particular, são constituídas por unidades menores chamadas morfemas. Por exemplo, a forma verbal /tomando/ comporta dois morfemas: o radical verbal /tom-/ e a terminação gramatical /-ando/. Analogamente, o substantivo /catavento/ comporta os morfemas /cata/ e /vento/, e o advérbio /vagarosamente/ consta dos morfemas /vagar/ /-os/, /-a/ e /-mente/.
Convencionalmente, a morfologia divide-se em duas áreas principais: a flexão – isto é, a variação na forma para fins gramaticais de uma única palavra, como em /tomo/, /tomas/, /tomava/, /tomei/, /tomando/, /tomar/ etc. – e a formação de palavras – a construção de palavras novas com base nas já existentes, como nos exemplos /catavento/ e /vagarosamente/. Um tipo de formação de palavras particularmente importante é a derivação, como em /reescrever/, /infelicidade/ e /insolação/.
MORFEMA (morpheme) – A menor unidade gramatical que se pode identificar. Às vezes, pensamos nas palavras como as menores unidades da gramática, mas de fato as palavras não são as menores unidades gramaticais. Por exemplo, a palavra /infelicidade/ é claramente uma construção de três elementos menores: o prefixo /in-/, o radical /feliz/ e o sufixo /-idade/. Cada um desses elementos é um morfema do português, e nenhum deles pode ser fragmentado ulteriormente do ponto de vista gramatical: sob este ponto de vista, todos são unidades mínimas. Cada um desses morfemas é usado para construir outras palavras portuguesas. Por exemplo, o prefixo /in-/ ocorre também em /infeliz/, /indistinto/, /involuntário/, /insatisfeito/; o radical /feliz/ aparece também /felicidade/, /felizmente/, /infelicitar/, /felizardo/ e o sufixo /-idade/ ocorre também em /velocidade/, /castidade/, /maioridade/, /habilidade/ etc.
Os morfemas são de tipos diferentes. Dizemos que /feliz/ é um morfema lexical, querendo com isso dizer que tem um sentido dicionarizável: podemos dar uma definição de feliz. Mas o /-mente/ de felizmente é um morfema gramatical, que desempenha a função estritamente gramatical de transformar um adjetivo em advérbio. Independente disso, podemos dizer que /feliz/ é também um morfema livre: pode aparecer sozinho formando palavra, como acontece em /feliz/. Mas o prefixo /in-/ e os sufixos /-idade/ e /-mente/ são morfemas presos: eles nunca podem aparecer sozinhos, precisam sempre ligar-se a pelo menos um outro morfema no interior de uma palavra.
Idealmente, um mesmo morfema deveria ter sempre uma única forma constante e um único significado ou função constantes, mas, na prática, os morfemas variam em sua forma, dependendo de sua localização. Por exemplo, o morfema /saúde/ tem uma forma quando aparece nas palavras /saúde/ e /saudável/, e tem outra forma quando aparece na palavra /insalubre/. Analogamente, o prefixo negativo /in-/ apresenta formas diferentes nas palavras /insincero/, /impossível/ e /ilegal/. Chamamos essas formas variantes alomorfes do morfema.
Nos exemplos acima, é tarefa banal dividir as palavras nos morfemas por meio dos quais são construídas, mas às vezes essa divisão não é tão fácil. Evidentemente, a forma de passado /amei/ consiste em dois morfemas, o radical verbal /AM-/ e o morfema gramatical que identifica a primeira pessoa do singular do pretérito perfeito, e não é tão difícil traçar uma linha que os separe. A forma do passado /tive/ deve também consistir em dois morfemas, o verbo /ter/ e o morfema passado, mas desta vez não há meio de traçar entre eles uma linha bem definida: os dois morfemas vêm embalados num único embrulho, de modo que temos que apelar para um grau de representação mais abstrato para mostrar que tive é realmente /ter/ + 1ª pessoa do singular pretérito perfeito.
O termo morfema foi cunhado, no fim do século XIX, pelo linguista polonês Jan Baudouin de Courtenay, mas nem sempre foi usado no sentido moderno. Esse sentido moderno foi estabelecido pelo linguista americano Leonard Bloomfield, na década de 1930, e coube a Bloomfield e seus sucessores transformar o estudo dos morfemas numa parte central da linguística.

TRASK, R.L. Dicionário de linguagem e linguística. São Paulo: Contexto, 2004.

MORFEMAS E AS CLASSES DE PALAVRAS – Estabelecida a distinção entre morfema lexical e morfema gramatical, podemos agora relacionar cada um deles com as classes de palavras.
São morfemas lexicais os substantivos, os adjetivos, os verbos e os advérbios de modo. São morfemas gramaticais os artigos, os pronomes, os numerais, as preposições, as conjunções e os demais advérbios, bem como as formas indicadoras de número, gênero, tempo, modo ou aspecto verbal.

ESTRUTURAS DAS PALAVRAS – Uma palavra pode apresentar estes elementos estruturais: radical, afixos, vogal temática, tema, desinência e interfixos. Nem sempre, porém, as palavras apresentam todos esses elementos.

RADICAL - Também conhecido por lexema e semantema, é o elemento portador de significado comum a um grupo de palavras da mesma família. Assim, na família de palavras /terra/, /terrinha/, /terriola/, /terrestre/, /térreo/, /terráqueo/, /terreno/, /terreiro/, /terroso/, existe um elemento comum: /terr-/, que é o radical.

AFIXOS - São elementos que se juntam ao radical, antes (prefixos) ou depois (sufixos). Ex.: /prever/, /desonesto/ (prefixos), /amoroso/, /beleza/ (sufixos). Os sufixos apenas alteram o significado do radical. Não há dois radicais na palavra formada por prefixação; trata-se do mesmo radical, modificado em sua ideia primitiva.

VOGAL TEMÁTICA – Apresenta-se tanto em verbos quanto em nomes. A vogal temática verbal indica as conjugações: /a/ (1ª conjugação /cantar/), /e/ (2ª conjugação /vender/), /i/ (3ª conjugação /partir/). A vogal temática nominal aparece no final dos nomes que não apresentam oposição masculino/feminino: /vida/, /gente/, /beijo/, /mesa/.

TEMA – É o radical acrescido da vogal temática. Ex.: /canta/, /vende/, /parti/. A vogal temática, portanto, amplia o radical em tema, ficando este pronto para receber a desinência ou o sufixo.

DESINÊNCIAS – São elementos que se juntam à parte final das palavras e servem para caracterizar as variações (flexões) que os nomes e os verbos podem apresentar.
As desinências nominais marcam o gênero e o número dos substantivos e adjetivos. As desinências verbais indicam a pessoa, o número, o tempo e o modo das formas verbais.
Exemplos: desinências nominais
garot
a
s
radical
desinência de gênero
desinência de número
Observação: A palavra garoto possui desinência zero de gênero e de número, porque o masculino é uma forma não marcada.
Exemplos: desinências verbais
namor
a
re
mos
radical
vogal temática (verbal) (VTV)
desinência de modo e tempo (DMT)
desinência de número e pessoa (DNP)

Vê-se que a desinência (ou flexão) compreende as categorias de gênero e número (para os nomes) e de modo, tempo, número e pessoa (para os verbos). Assim, existe a desinência nominal de gênero /-a/ e a de número /-s/; as desinências modo-temporais /cantava/, /vendia/, /partia/ e as número-pessoais /cantavas/, /vendíamos/, /partiam/. Por conseguinte, cabe nos falar apenas em flexão de gênero, número, modo, tempo e pessoa. Grau não é flexão, porque o elemento que o exprime não é desinência, mas sufixo. Ademais, na gradação ocorre alteração semântica (casa, casarão e casebre exprimem conceitos distintos).
O sufixo é o elemento que sempre contém ou a vogal temática ou a desinência de gênero. Em /-inho/ temos o sufixo /-inh-/ com a vogal temática /-o/ [carr -inh -o].Em /-inha/ de outro lado, encontramos /-inh-/ com a desinência de gênero /-a/ [menin -inh -a].
INTERFIXOS OU VOGAL E CONSOANTE DE LIGAÇÃO – São elementos que facilitam a emissão vocal de determinadas palavras.
Exemplos:
chá
eira
cha – l – eira
radical
sufixo
consoante de ligação
interfixo (consoante)

café
cultura
cafe – i - cultura
radical
radical
Vogal de ligação
Interfixo (vogal)

Observação: Os interfixos são conhecidos também pelo nome de vogais de ligação e consoante de ligação, denominações não muito próprias, porque, muitas vezes, há conjuntamente vogal e consoante. Ex,: ratazana, colheitadeira, fortalecer, diversificar, prateleira. Daí a nossa preferência pela denominação interfixos. Os interfixos são elementos insignificativos, porque nada indicam, aparecendo apenas para facilitar a pronúncia dos vocábulos em que se inserem. As desinências, de outro lado, são elementos significativos, porque indicam as flexões verbais e nominais. (SACCONI, 2009, p. 70).

IMPORTANTES DICAS DO SACCONI

1.     Existem, além das vogais temáticas verbais, as vogais temáticas nominais, que produzem os temas nominais, todos com /-a/, /-e/, /-o/ átonos finais. Ex.: cama, leve e rosto apresentam vogais temáticas nominais; temos aí, portanto, três temas nominais, prontos para receber a desinência de número: camas, leves, rostos.
A vogal átona final /-a/ só será desinência de gênero quando opuser o masculino ao feminino: moço x moça, gato x gata, gordo x gorda, belo x bela.
Em banheira, sapata e mata, a vogal átona final ainda é desinência de gênero, porque a diferenciação semântica mínima entre a oposição masculino x feminino não é significativa.
Diferente é o caso de cama, leve e rosto, cujas vogais finais não opõem masculino e feminino. Assim, os nomes terminados em /-e/ são temas, tirante algumas exceções: mestre/mestra, monge, monja, presidente/presidenta, parente/parenta, hóspede/hóspeda, etc., em que a oposição masculino x feminino caracteriza a presença da desinência de gênero /-a/.
2.     Os nomes terminados em consoantes (cor, raiz, mal, lápis, etc.) ou em vogal tônica (sapé, sofá, tupi, cipó, sagu, etc.) são atemáticos, isto é, não trazem vogal temática. Tais formas traduzem apenas o radical e, por conseguinte, são indivisíveis; possuem desinência zero de gênero e de número. (Discordando de Sacconi – No caso de “Os cipós estavam secos” – em cipós – o /s/ é uma desinência de número). Grifo meu.
3.     Os nomes terminados em /-r/, /-z/ ou /-l/ apresentam vogal temática apenas no plural: cor /cores, juiz/juízes, mal/males, sal/sais.
4.     No caso de sais, a vogal temática é a semivogal i, com supressão do l: sales > saes > sais.
5.     Quando se aglutinam radicais, a vogal temática do primeiro elemento geralmente se reduz a i, funcionando, assim, como vogal de ligação entre os dois radicais:
boqu i aberto
boca + aberto
pont i agudo
ponta + agudo
frut í fero
fruta + fero

6.     Os nomes derivados de verbos apresentam os dois tipos de vogal temática: a verbal e a nominal. Assim, em planejamento, o /-a/ pretônico (em já) e o /-o/ postônico em to) são vogais temáticas, verbal e nominal, respectivamente. Ex.: sonegadores, vendedores, pedinte.
7.     O gerúndio e o particípio trazem sempre duas vogais temáticas, já que são formas a um só tempo verbais e nominais: cantando, vendendo, partindo. São chamadas formas nominais por participarem mais ativamente como nomes que como verbos, haja vista o último índice temático, que é o nominal, e não o verbal.

Para alguns autores são chamadas de cognatas as palavras que pertencem à mesma família ou têm a mesma origem. Para Sacconi (2009), palavras cognatas são aquelas que possuem a mesma raiz (Regina – rainha). Já família de palavras é o conjunto de todas as palavras que se agrupam em torno de um mesmo radical (ferro - ferrugem).

REFERÊNCIAS

SACCONI; Luiz Antonio. Nossa gramática contemporânea: teoria e prática. São Paulo: Escla Educacional, 2009.
TRASK, R.L. Dicionário de linguagem e linguística. São Paulo: Contexto, 2004.

Um comentário:

SuperDuper disse...

As bancas de concurso não usam 'interfixo', mas sim 'vogal de ligação' e 'consoante de ligação', não usam 'semantema' nem 'lexema', mas sim 'radical'

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