quinta-feira, abril 25, 2013

A GERAÇÃO SEM PALAVRAS



Pensadores criteriosos e mentes lúcidas têm se preocupado com o problema; que não é apenas nacional, mas de todo o mundo ocidental: o desgaste da palavra, a dificuldade crescente da dialogação, o emprego abusivo de alguns símbolos primários, que acabaram por transformar a Comunicação numa verdadeira mímica ¾ não se fala mais, acena-se, trocam-se sinais estereotipados e lacônicos ¾ é uma geração sem palavras.

A comunicação é uma arma de dois gumes. Quando se procura a comunicação direta, rápida e clara, perdem-se sutilezas do pensamento. O demasiado preocupar com a Comunicação  superficializa os conhecimentos; restam profundezas, tesouros para sempre perdidos.

A entropia (desordem) é bem um fenômeno característico da era da cibernética – a Comunicação alarga horizontes rasos, generaliza a informação e com isto perde-se parte do mistério, encanto da vida. Se outros caminhos não forem trilhados, daqui a duzentos anos, nada no Universo será novidade para o homem (apesar de as grandes verdades continuarem ainda mais inacessíveis) e ele, conhecedor de “tudo”, morrerá provavelmente de tédio...

O homem continuará seu caminho tecnocrático glorioso, voltou à Lua, tentará alcançar outros planetas, no entanto, que ele não se robotize, que resguarde as sutilezas espirituais.

Li, numa reportagem, que na França lê-se muito pouco atualmente. O que dizer do Brasil?! Há pelo mundo gurus preocupados com a decrescente espiritualidade e pregam a meditação diária. Há outro antídoto contra a coisificação do nosso século: a literatura.

Cada época tem sua carência, seu ponto nevrálgico (defeito). O nosso século peca pela massificação, pelo materialismo, pela inversão de valores. As catástrofes se arrastam, novelas sangrentas, mal dirigidas, com seus mil figurantes desarvorados, com inesperados papéis trágicos nunca perdidos. Os jornais nos olham sangrentos e cansados, nas suas manchetes repetidas.

Num filme de ficção científica, o Grande Poder manda destruir os livros de literatura; era já chegada a época da Máquina. Pensar, optar, sensibilizar-se? Pecados, vícios proibidos. Alguns homens, os últimos que ainda reagiam, decoravam então as obras imortais, antes de destruí-las; viravam estas obras, transubstanciando-se nelas, para perpetuá-las.

Hoje já chegamos a uma época em que os romancistas e os poetas são olhados como criaturas obsoletas, de priscas eras. No entanto, só eles, só a boa literatura poderá evitar o trágico final desta mecanização: o homem criando mil milhões, virando máquina azeitada que age corretamente ao apertar o botão – estímulo adequado. A arte, e dentro dela, a Literatura, é talvez a mais poderosa arma para evitar o esclerosamento, para manter o homem vivo, sangue, nervos, sensibilidade; para fazê-lo sofrer semelhante; ela que vivifica a cada instante o fato de realmente sermos irmãos do mesmo barro.

A moléstia é real, os sintomas são claros, a síndrome está completa: o homem continua cada vez mais incomunicável (porque deturpou o termo comunicação), incompreendido e/ou incompreensível, porque voltou-se para dentro e se autoanalisa continuamente, mas não troca com os outros estas experiências individuais; está “desaprendendo” a falar, usando somente o linguajar básico, essencial e os gestos. Não lê, não se enriquece, não se transmite. Quem não lê, não escreve. Assim, o homem do século XX, bicho de concha, criatura intransitiva, se enfurna dentro de si próprio, ilhando-se cada vez mais, mimado pelas duas doenças do nosso tempo: individualismo e solidão.

FONTE: LANES, Ely Vieitez. Laboratório de Literatura. São Paulo: Estrutural,1978.

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