MORFOLOGIA (morphology) – É a disciplina que se
ocupa do sistema morfológico da língua, do aspecto formal das palavras.
Morfologia vem do grego: morphe + log + ia = tratado, estudo das formas.
As
palavras têm tipicamente uma estrutura interna e, em particular, são
constituídas por unidades menores chamadas morfemas. Por exemplo, a forma
verbal /tomando/ comporta dois morfemas: o radical verbal /tom-/ e a terminação
gramatical /-ando/. Analogamente, o substantivo /catavento/ comporta os
morfemas /cata/ e /vento/, e o advérbio /vagarosamente/ consta dos morfemas
/vagar/ /-os/, /-a/ e /-mente/.
Convencionalmente,
a morfologia divide-se em duas áreas principais: a flexão – isto é, a variação
na forma para fins gramaticais de uma única palavra, como em /tomo/, /tomas/,
/tomava/, /tomei/, /tomando/, /tomar/ etc. – e a formação de palavras – a
construção de palavras novas com base nas já existentes, como nos exemplos /catavento/
e /vagarosamente/. Um tipo de formação de palavras particularmente importante é
a derivação, como em /reescrever/, /infelicidade/ e /insolação/.
MORFEMA
(morpheme) – A menor unidade gramatical que se pode identificar. Às vezes,
pensamos nas palavras como as menores unidades da gramática, mas de fato as
palavras não são as menores unidades gramaticais. Por exemplo, a palavra
/infelicidade/ é claramente uma construção de três elementos menores: o prefixo
/in-/, o radical /feliz/ e o sufixo /-idade/. Cada um desses elementos é um
morfema do português, e nenhum deles pode ser fragmentado ulteriormente do
ponto de vista gramatical: sob este ponto de vista, todos são unidades mínimas.
Cada um desses morfemas é usado para construir outras palavras portuguesas. Por
exemplo, o prefixo /in-/ ocorre também em /infeliz/, /indistinto/,
/involuntário/, /insatisfeito/; o radical /feliz/ aparece também /felicidade/,
/felizmente/, /infelicitar/, /felizardo/ e o sufixo /-idade/ ocorre também em
/velocidade/, /castidade/, /maioridade/, /habilidade/ etc.
Os
morfemas são de tipos diferentes. Dizemos que /feliz/ é um morfema lexical,
querendo com isso dizer que tem um sentido dicionarizável: podemos dar uma
definição de feliz. Mas o /-mente/ de felizmente é um morfema gramatical, que
desempenha a função estritamente gramatical de transformar um adjetivo em
advérbio. Independente disso, podemos dizer que /feliz/ é também um morfema
livre: pode aparecer sozinho formando palavra, como acontece em /feliz/. Mas o
prefixo /in-/ e os sufixos /-idade/ e /-mente/ são morfemas presos: eles nunca
podem aparecer sozinhos, precisam sempre ligar-se a pelo menos um outro morfema
no interior de uma palavra.
Idealmente,
um mesmo morfema deveria ter sempre uma única forma constante e um único
significado ou função constantes, mas, na prática, os morfemas variam em sua
forma, dependendo de sua localização. Por exemplo, o morfema /saúde/ tem uma
forma quando aparece nas palavras /saúde/ e /saudável/, e tem outra forma
quando aparece na palavra /insalubre/. Analogamente, o prefixo negativo /in-/
apresenta formas diferentes nas palavras /insincero/, /impossível/ e /ilegal/.
Chamamos essas formas variantes alomorfes
do morfema.
Nos
exemplos acima, é tarefa banal dividir as palavras nos morfemas por meio dos
quais são construídas, mas às vezes essa divisão não é tão fácil.
Evidentemente, a forma de passado /amei/ consiste em dois morfemas, o radical
verbal /AM-/ e o morfema gramatical que identifica a primeira pessoa do
singular do pretérito perfeito, e não é tão difícil traçar uma linha que os
separe. A forma do passado /tive/ deve também consistir em dois morfemas, o
verbo /ter/ e o morfema passado, mas desta vez não há meio de traçar entre eles
uma linha bem definida: os dois morfemas vêm embalados num único embrulho, de
modo que temos que apelar para um grau de representação mais abstrato para
mostrar que tive é realmente /ter/ + 1ª pessoa do singular pretérito perfeito.
O
termo morfema foi cunhado, no fim do século XIX, pelo linguista polonês Jan
Baudouin de Courtenay, mas nem sempre foi usado no sentido moderno. Esse
sentido moderno foi estabelecido pelo linguista americano Leonard Bloomfield,
na década de 1930, e coube a Bloomfield e seus sucessores transformar o estudo
dos morfemas numa parte central da linguística.
TRASK, R.L. Dicionário de linguagem e linguística. São
Paulo: Contexto, 2004.
MORFEMAS E AS CLASSES DE PALAVRAS –
Estabelecida a distinção entre morfema lexical e morfema gramatical, podemos
agora relacionar cada um deles com as classes de palavras.
São
morfemas lexicais os substantivos, os adjetivos, os verbos e os advérbios de
modo. São morfemas gramaticais os artigos, os pronomes, os numerais, as preposições,
as conjunções e os demais advérbios, bem como as formas indicadoras de número,
gênero, tempo, modo ou aspecto verbal.
ESTRUTURAS DAS PALAVRAS –
Uma palavra pode apresentar estes elementos estruturais: radical, afixos, vogal
temática, tema, desinência e interfixos. Nem sempre, porém, as palavras
apresentam todos esses elementos.
RADICAL - Também
conhecido por lexema e semantema, é o elemento portador de significado comum a
um grupo de palavras da mesma família. Assim, na família de palavras /terra/,
/terrinha/, /terriola/, /terrestre/, /térreo/, /terráqueo/, /terreno/,
/terreiro/, /terroso/, existe um elemento comum: /terr-/, que é o radical.
AFIXOS - São elementos que
se juntam ao radical, antes (prefixos) ou depois (sufixos). Ex.: /prever/,
/desonesto/ (prefixos), /amoroso/, /beleza/ (sufixos). Os sufixos apenas
alteram o significado do radical. Não há dois radicais na palavra formada por
prefixação; trata-se do mesmo radical, modificado em sua ideia primitiva.
VOGAL TEMÁTICA – Apresenta-se
tanto em verbos quanto em nomes. A vogal temática verbal indica as conjugações:
/a/ (1ª conjugação /cantar/), /e/ (2ª conjugação /vender/),
/i/ (3ª conjugação /partir/). A vogal temática nominal aparece
no final dos nomes que não apresentam oposição masculino/feminino: /vida/, /gente/, /beijo/, /mesa/.
TEMA – É o radical
acrescido da vogal temática. Ex.: /canta/, /vende/, /parti/. A vogal temática,
portanto, amplia o radical em tema, ficando este pronto para receber a
desinência ou o sufixo.
DESINÊNCIAS –
São elementos que se juntam à parte final das palavras e servem para
caracterizar as variações (flexões) que os nomes e os verbos podem apresentar.
As
desinências nominais marcam o gênero e o número dos substantivos e adjetivos.
As desinências verbais indicam a pessoa, o número, o tempo e o modo das formas
verbais.
Exemplos:
desinências nominais
garot
|
a
|
s
|
radical
|
desinência de gênero
|
desinência de número
|
Observação: A
palavra garoto possui desinência
zero de gênero e de número, porque o masculino é uma forma não marcada.
Exemplos:
desinências verbais
namor
|
a
|
re
|
mos
|
radical
|
vogal temática (verbal) (VTV)
|
desinência de modo e tempo (DMT)
|
desinência de número e pessoa (DNP)
|
Vê-se
que a desinência (ou flexão) compreende as categorias de gênero e número (para
os nomes) e de modo, tempo, número e pessoa (para os verbos). Assim, existe a
desinência nominal de gênero /-a/ e a de número /-s/; as desinências
modo-temporais /cantava/, /vendia/, /partia/ e as número-pessoais /cantavas/,
/vendíamos/, /partiam/. Por conseguinte, cabe nos falar apenas em flexão de
gênero, número, modo, tempo e pessoa. Grau não é flexão, porque o elemento que
o exprime não é desinência, mas sufixo. Ademais, na gradação ocorre alteração
semântica (casa, casarão e casebre exprimem conceitos distintos).
O
sufixo é o elemento que sempre contém ou a vogal temática ou a desinência de
gênero. Em /-inho/ temos o sufixo /-inh-/ com a vogal temática /-o/ [carr -inh
-o].Em /-inha/ de outro lado, encontramos /-inh-/ com a desinência de gênero
/-a/ [menin -inh -a].
INTERFIXOS OU VOGAL E CONSOANTE DE
LIGAÇÃO – São elementos que facilitam a emissão vocal de
determinadas palavras.
Exemplos:
chá
|
eira
|
cha – l –
eira
|
radical
|
sufixo
|
consoante de ligação
interfixo (consoante)
|
café
|
cultura
|
cafe – i - cultura
|
radical
|
radical
|
Vogal de ligação
Interfixo (vogal)
|
Observação: Os
interfixos são conhecidos também pelo nome de vogais de ligação e consoante de
ligação, denominações não muito próprias, porque, muitas vezes, há
conjuntamente vogal e consoante. Ex,: ratazana, colheitadeira, fortalecer,
diversificar, prateleira. Daí a nossa preferência pela denominação interfixos. Os
interfixos são elementos insignificativos, porque nada indicam, aparecendo
apenas para facilitar a pronúncia dos vocábulos em que se inserem. As
desinências, de outro lado, são elementos significativos, porque indicam as
flexões verbais e nominais. (SACCONI, 2009, p. 70).
IMPORTANTES
DICAS DO SACCONI
1. Existem,
além das vogais temáticas verbais, as vogais temáticas nominais, que produzem
os temas nominais, todos com /-a/, /-e/, /-o/ átonos finais. Ex.: cama, leve e
rosto apresentam vogais temáticas nominais; temos aí, portanto, três temas
nominais, prontos para receber a desinência de número: camas, leves, rostos.
A
vogal átona final /-a/ só será desinência de gênero quando opuser o masculino
ao feminino: moço x moça, gato x gata, gordo x gorda, belo x bela.
Em
banheira, sapata e mata, a vogal átona final ainda é desinência de gênero,
porque a diferenciação semântica mínima entre a oposição masculino x feminino
não é significativa.
Diferente
é o caso de cama, leve e rosto, cujas vogais finais não opõem masculino e
feminino. Assim, os nomes terminados em /-e/ são temas, tirante algumas
exceções: mestre/mestra, monge, monja, presidente/presidenta, parente/parenta,
hóspede/hóspeda, etc., em que a oposição masculino x feminino caracteriza a
presença da desinência de gênero /-a/.
2. Os
nomes terminados em consoantes (cor, raiz, mal, lápis, etc.) ou em vogal tônica
(sapé, sofá, tupi, cipó, sagu, etc.) são atemáticos, isto é, não trazem vogal
temática. Tais formas traduzem apenas o radical e, por conseguinte, são
indivisíveis; possuem desinência zero de gênero e de número. (Discordando de
Sacconi – No caso de “Os cipós estavam secos” – em cipós – o /s/ é uma desinência de número). Grifo
meu.
3. Os
nomes terminados em /-r/, /-z/ ou /-l/ apresentam vogal temática apenas no
plural: cor /cores, juiz/juízes, mal/males, sal/sais.
4. No
caso de sais, a vogal temática é a semivogal i, com supressão do l: sales >
saes > sais.
5. Quando
se aglutinam radicais, a vogal temática do primeiro elemento geralmente se
reduz a i, funcionando, assim, como vogal de ligação entre os dois radicais:
boqu i aberto
|
boca + aberto
|
pont i agudo
|
ponta + agudo
|
frut í fero
|
fruta + fero
|
6. Os
nomes derivados de verbos apresentam os dois tipos de vogal temática: a verbal
e a nominal. Assim, em planejamento, o /-a/ pretônico (em já) e o /-o/ postônico
em to) são vogais temáticas, verbal e nominal, respectivamente. Ex.: sonegadores, vendedores, pedinte.
7. O
gerúndio e o particípio trazem sempre duas vogais temáticas, já que são formas
a um só tempo verbais e nominais: cantando, vendendo, partindo.
São chamadas formas nominais por participarem mais ativamente como nomes que
como verbos, haja vista o último índice temático, que é o nominal, e não o
verbal.
Para
alguns autores são chamadas de cognatas as palavras que pertencem à mesma
família ou têm a mesma origem. Para Sacconi (2009), palavras cognatas são
aquelas que possuem a mesma raiz (Regina – rainha). Já família de palavras é o
conjunto de todas as palavras que se agrupam em torno de um mesmo radical
(ferro - ferrugem).
REFERÊNCIAS
SACCONI; Luiz Antonio. Nossa gramática contemporânea: teoria e prática. São Paulo: Escla Educacional, 2009.
TRASK, R.L. Dicionário de linguagem e linguística. São Paulo: Contexto, 2004.
REFERÊNCIAS
SACCONI; Luiz Antonio. Nossa gramática contemporânea: teoria e prática. São Paulo: Escla Educacional, 2009.
TRASK, R.L. Dicionário de linguagem e linguística. São Paulo: Contexto, 2004.
As bancas de concurso não usam 'interfixo', mas sim 'vogal de ligação' e 'consoante de ligação', não usam 'semantema' nem 'lexema', mas sim 'radical'
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